quarta-feira, 24 de junho de 2015

Garganta do Diabo a ponte dos suicídios

O choque de um Ka contra a mureta de proteção do viaduto do Vale do Menino Deus, conhecida como Garganta do Diabo, chamou a atenção das pessoas que passavam pelas proximidades ou ouviram viaturas com sirenes se dirigindo para o local. O choque ocorreu por volta do meio-dia desta terça-feira, na BR-158, entre Santa Maria e Itaara. Segundo informações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) de Santa Maria, a motorista do veículo, uma mulher de 46 anos, teria tentado atirar o carro contra a grade de proteção.Informações preliminares de testemunhas dão conta que, depois da colisão, a motorista teria saído do carro e se atirado da ponte. Testemunhas que estavam no local teriam dito para a PRF que tentaram conversar com a mulher para convencê-la a não se atirar, mas não adiantou.Equipes do Corpo de Bombeiros de Santa Maria, do Samu e da PRF estão no local. Bem como uma equipe do Instituto-Geral de Perícia (IGP), para fazer a remoção do carro e do corpo.



Não é o primeiro suicídio que acorre na graganta do diabo, já ceivou a vida de muita gente iclusive Tupanciretananses.

Relatos de populares revelam que o vale existente entre as montanhas, que caracterizam a “Garganta do Diabo”, em Santa Maria, era um espaço de difícil ocupação, o que foi comparado com algo próprio ao diabo. Mais de 50 anos já se passaram e hoje a “Garganta do Diabo” é um dos cartões postais da cidade. Trata-se de um ponto turístico bastante fotografado e associado à cidade de Santa Maria, o que promove uma espécie de litígio entre a forma de nomear e os modos de significar este lugar. É este espaço de contradição entre o “lugar”, o nome e as possibilidades de produção de sentidos que nos interessa observar. De fato, a contradição maior se dá entre a dificuldade de outrora e a facilidade da atualidade, quando se nega a memória e se tenta estabelecer uma história oficial diferente. Há necessidade de apagar o diabo, o mal, a dificuldade, em prol do estabelecimento de uma história que inclui o menino deus, o bem, a facilidade.
Nosso ponto de partida é o de quem lança um olhar sobre o espaço urbano como um todo. Num primeiro plano, estabelece-se uma interessante relação com o modo de nomear a cidade regularmente: “Cidade Coração do Rio Grande”, considerando-se sua condição privilegiada de estar no centro do estado do Rio Grande do Sul. De repente, o forasteiro se depara com a ponte sobre o vale e se descortina diante de seus olhos a cidade, e é como se a ponte abrisse uma janela, ou revelasse as cores de uma tela, uma pintura que entusiasmaeemociona o espectador, surpreendido. Esta exuberância toda desaparece quando é dito o nome deste espaço público: “Garganta do Diabo”. Neste ponto, é que a forma de nomear a cidade entra em contradição com outras menos românticas ou positivistas. É contraditório dizer que a Cidade Coração do Rio Grande recebe parte dos seus visitantes pela “Garganta do Diabo” (palco de inúmeros suicídios), o que dá uma conotação “diabólica”, para acomodar os sentidos no senso comum. Isso passa a “incomodar” alguns, o que leva o legislativo municipal a propor, na década de 90 do século XX, a alteração do nome.
A proposta de alteração ganhou força e notoriedade, sendo encaminhada à Câmara e ao Senado Federal que, em 2002, aprovandoa alteração do nome de “Garganta do Diabo” para “Ponte sobre o Vale do Menino Deus”, faz referência ao nome do bairro mais próximo do referido viaduto, denominado Campestre do Menino Deus. A proposta de alteração do nome vai de um extremo ao outro: do “diabo” ao “menino deus”, como se esta troca pudesse promover a mudança de estatuto do espaço público em questão, do mal para o bem, do não-urbano para o urbano.
A questão que se coloca, neste momento, é: alterar o nome é alterar a designação? Alterar o nome é alterar os sentidos? Entendemos que, assim como “uma referência”, uma imagem também “não tem apenas um nome para designá-la, podendo, então, um objeto [uma imagem ou um espaço público]ser referido e designado por diferentes nomes, onde são reproduzidos ou movimentados os sentidos postos como referenciais” (PETRI, 2004: 220). Assim, diferenciamos nome e designação, acreditando que o nome atende a uma necessidade oficial e institucional, mas o designar implica o funcionamento do “interdiscurso, enquanto memória, e não [apenas] um referente específico que relaciona a palavra à coisa” (GUIMARÃES, s.d.). Quanto à produção dos sentidos, entendemos que implica ainda a inscrição dos sujeitos em determinada formação discursiva e as singulares relações que cada sujeito estabelece com as formações ideológicas às quais está “livremente” submetido.
É possível, por exemplo, observar a incidência da ideologia cristã funcionando no processo de re-nomeação, mas não é só isso, pois “menino deus” nos remete ao nome de um bairro próximo ao viaduto, o que nos remete também ao movimento sócio-político de resgate do ponto turístico, numa tentativa de integrá-lo ao espaço público urbano, organizado, estável, controlável.

(...) tem uma memória, desenvolve-se em um espaço próprio, que se construiu por relações entre seres que se significam e significam as relações que sustentam a própria existência deste espaço como um espaço vivido/dividido com seus gestos de significação. (ORLANDI, 2004: 26)

Já não seria mais o “Vale dos Diabos”, fora da cidade. Não seria mais o lugar perigoso, a “Garganta do Diabo”, fuga para os desesperados suicidas que buscaram ali a morte, o fim. Afinal, a mudança do nome poderia também promover este espaço público a espaço público urbano, e com isso se teria a tão sonhada “transparência”dos sentidos no discurso sobre o ponto turístico, afastando dele a sombra, a morte, o medo, as outras possibilidades de sentidos, a mancha, a opacidade.
Eis que tem início uma nova Era para o importante cartão postal, imagem constitutiva da cidade de Santa Maria. Esta foi, sem dúvida, a conclusão precipitada a que muitos chegaram à época, pois as relações entre prática social e modos de designar não se transformam assim tão rápida e diretamente, como alterou-se o nome. Passaram-se oito anos (até o presente momento, estamos em 2010) e a história/memória perdura, insiste, ressoa, retorna; mesmo que sendo dita, oficialmente, de outra forma, a referência ainda é “Garganta do Diabo”. É ainda do alto da serra, de cima do “Viaduto sobre o Vale do Diabo”, da “Garganta do Diabo”, que o forasteiro (o viajante, o turista, o militar, o estudante) lança o primeiro olhar sobre a “Santa Maria da Boca do Monte”, cidade “Coração do Rio Grande do Sul”[4], representada romanticamente da seguinte forma num desenho que imita o mapa do Rio Grande do Sul

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